CIA AVALON

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

DIAS DE CHUVA



Dias de chuva me fazem devanear, por mundos românticos, frio, inconstantes gotas insistem em molhar o duro piso das estradas, minha alma, devagar e silenciosa gesta um pensar....
Engulo rapidamente a nuvem densa de fosfato de um cérebro amorfo e rio...
Uma estridente risada, típica de quem em um mundo de realidade efêmeras molha a saliva com cuspe do bêbado que tropeça entre um lance de escada e o corrimão escorrendo de catchup, que algum filho de Deus fez o favor de molhar, regando aquele longo e comprido objeto de mãos silenciosas a irem se ensaboando com o desejo de alçar o último degrau, eram tantas mãos, sujas, brancas, negras, imundas, limpas e acima de tudo, ansiosas peles que se entre conheciam nas idas e vindas daquela escadaria.

Ao término daquele dia, subia eu, devagar e muito pausadamente aquela longa penúria, escadas, penso, olho pra cima e no alto da escadaria, lá está, um homem, alto o suficiente para me amedrontar, vestido de negro, dos pés até a cabeça nenhum fio fora do prumo.
É uma visão aterrorizante, ele tem um porte fúnebre, me olha com faíscas no canto das pupilas, mantenho o olhar, com medo mas um imenso respeito, respiro fundo e alço o corrimão, subindo cada degrau como se estivesse pagando uma promessa de uma vida inteira, olho para o homem que em momento algum esboçou um movimento qualquer, só me observa e de repente, mexe-se, procurando algo em seu paletó, finjo que não percebo sua procura e continuo no décimo degrau, sacolas no lombo, pés doendo, dia exaustivo, minha vontade, chegar em casa e dormir dentro da banheira cheia de água quente e ouvir minha música favorita.
Escadas...
Que inferno, quem inventou as escadas deveriam morrer com estacas fincadas na alma, só para nunca pensarem em prédios com enormes e desafiadoras escadas.
Quando estou bêbada, sempre acordo em casa nua, sem nenhum problema, mas quando estou sóbria em uma sexta-feira exaustiva de trabalho, comprar e afins, essa ES - CA - DA.
Bufo...
Ao passo escuto um : cof, cof, cof.
Olho pra cima, o homem vestido de Corvo fuma um cigarro, percebo o prazer em suas mãos, rindo com a fumaça ele somente me olha.
Maldito ignorante, nem pra me ajudar penso eu.
Já estou chegando no término desse martírio, cheguei.
No topo.
Cadê o homem ?
Sumiu?
Estou louca ?
Era uma miragem, uma visão ?

Apresso os passos para meu apartamento, quando eu toco a maçaneta da porta, procurando o molho de chaves que está em algum lugar de minha bolsa, escuto uma risada cavernosa.
Procurando isto ? Os dedos alvos, quase translúcidos, em sua palma, um molho de chaves, estupefata, olho sem entender.
Ele ri e se apresenta: - Me chamo, Lúcio! E aqui está as chaves que você deixou cair no caminho. É um prazer conhecê-la.
Ele me entrega as chaves e saí, caminhando, garboso e sorridente, no canto uma fumaça que paira entre o corredor.
Sim, foi um prazer, penso eu.
Autora: Priscila de Fátima Jerônimo
25/02/2020
Horário: 20:03

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